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Coluna da Marta

Marta Schlichting

Adolescência e a masculinidade tóxica

Desde meados de março – quando estreou na Netflix – a série Adolescência se tornou um dos assuntos mais comentados entre pais, educadores, profissionais da saúde e, é claro, nas redes sociais. A repercussão global decorre de um questionamento sensível e complexo: o que leva um garoto de 13 anos a matar a facadas uma colega de escola? Chama atenção que o protagonista da série, Jamie Miller, vem de uma família funcional, não é vítima de pais violentos ou abusivos, nem enfrenta restrições financeiras severas. Jamie é só mais um adolescente que passa um bom tempo sozinho no seu quarto, imerso no mundo digital.

Não é de hoje que especialistas – ainda vistos como alarmistas ou radicais por boa parte da população – apontam a internet como um ambiente pouco seguro para crianças e adolescentes. Se até bem pouco tempo atrás os discursos de ódio às mulheres, negros, homossexuais e imigrantes  se escondiam na chamada Deep Web, hoje eles estão acessíveis no YouTube, TikTok e plataformas não são tão conhecidas, pelos adultos, como o Discord e outras tantas.

Na série, o garoto encontrou acolhimento para suas frustrações e solidão justamente no universo radical masculino da internet, a chamada machosfera, fundamentalmente marcada pela misoginia. São grupos de homens que alimentam o ódio às mulheres, partindo de teorias conspiratórias para justificar a violência. Segundo eles, 80% das mulheres só se interessam por 20% dos homens, ou seja, elas escolhem seus parceiros tendo como critérios a beleza ou o poder aquisitivo. Isso significa, para eles, que as mulheres são interesseiras, oportunistas, promíscuas e manipuladoras. Jamie não faz parte dos 20% afortunados. Com baixa autoestima, ele pertence ao grupo dos celibatários involuntários, ou incels (do inglês,  involuntary celibates), homens que  culpam as mulheres pelo seu fracasso romântico ou sexual. Foi essa cultura incel que inspirou o protagonista a cometer o crime.

Infelizmente, não se trata de ficção ou situações isoladas. Em entrevistas recentes, a juíza titular da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, Vanessa Cavalieri – coordenadora do Protocolo Eu te Vejo (@protocoloeutevejo), programa de prevenção à violência nas escolas – é categórica ao afirmar que casos como o da série são cada vez mais frequentes no Brasil. Para exemplificar, ela cita a história de um menino de 11 anos que entrou em uma comunidade de supremacistas brancos e misóginos no Discord por acaso. Ele chegou até lá através do TikTok, rede que é usada pelos adolescentes como ferramenta de busca, assim como nós usamos o Google. Queria saber o que significava a expressão extrema direita. Em pouco tempo, o algoritmo passou a lhe oferecer, constantemente, conteúdos de extrema direita e correlatos. Um destes conteúdos era um link para uma das tantas comunidades de ódio.  Em depoimento à juíza, o adolescente confessou que tentou sair do grupo, mas que na vida off-line não recebia o mesmo acolhimento. A comunidade, em outras palavras, lhe oferecia a sensação de pertencimento.

Adolescência é uma série que precisa ser vista, especialmente pela maturidade com que trata o tema. Ela não questiona, somente, onde estavam os pais que não acompanharam a rotina do filho.  Ao contrário, deixa claro que a escola também falhou e, por consequência, toda a sociedade. E a partir daí podemos perguntar: qual a responsabilidade das big techs que lucram com a masculinidade tóxica, a pornografia e o discurso de ódio que estão “educando” nossas crianças e adolescentes? Por que aqui no Brasil tantos deputados e senadores são contra a regulamentação das redes sociais? Jogar a culpa por tragédias como esta, única e exclusivamente no colo dos pais, é uma resposta simples demais para um problema tão complexo.

Entre as diferentes análises que li e assisti sobre a série, uma em especial jogou luz sobre esse enorme desafio que a sociedade atual precisa enfrentar. Diz assim: “Família importa, claro. Mas educar um adolescente não é só tarefa doméstica. É social. É política. É digital. É coletiva.” (@aldear.org.br) 

 

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