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Coluna da Marta

Marta Schlichting

Ainda estamos aqui. Eles também.

Todo carnaval é celebração, música, criatividade e surpresas, mas o de 2025 se superou. Foi no domingo de carnaval, 2 de março, que o Brasil conquistou seu primeiro Oscar, o de Melhor Filme Internacional. Uma vitória que acelerou o ritmo dos foliões e invadiu o sossego da turma do descanso. “Ainda Estou Aqui” mostrou ao mundo a força do nosso cinema e capacidade de transformar um dos períodos mais sombrios do país em um filme sensível que conta a história de uma família atravessada pela ditadura miliar.
No livro que dá origem ao filme – com título homônimo – Marcelo Rubens Paiva traça um emocionante paralelo entre o Alzheimer da mãe, Eunice Paiva, e a memória nacional que não pode ser esquecida. Ele referenda o conhecido bordão “para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça”. O livro, assim como o filme, tem como protagonista essa mulher que decidiu não sucumbir aos horrores do golpe militar. A mulher que, 25 anos depois do brutal assassinato do marido, finalmente obteve o atestado de óbito de Rubens Paiva, barbaramente torturado sob o poder do Estado Brasileiro e, até então, considerado desaparecido. Eunice ergueu o documento como um troféu, da mesma forma que Walter Salles – diretor do filme – ergueu a estatueta do Oscar. Não fosse a garra de sua mãe, talvez Marcelo não teria escrito o livro, não teríamos o filme e muito menos a premiação.
Walter Salles, Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Selton Mello e toda equipe mereceram esta premiação, assim como todos nós, brasileiros, especialmente os que resistiram e lutaram contra o regime autoritário que, por 21 anos, fez o Brasil mergulhar em uma realidade perversa de silenciamento. Graças à arte a história de uma família devastada pela violência da ditadura foi relembrada. Cerca de 6 milhões de espectadores lotaram as salas de cinema de todo país e outros tantos ao redor do mundo. No centro deste enredo está Eunice, a mãe e mulher que sobreviveu com dignidade, criou os cinco filhos, afirmando que a morte de Rubens Paiva não foi só um crime contra a sua família, mas contra todo país. Assim como os Paiva, centenas de famílias nunca tiveram um corpo para enterrar, gente que foi privada dos rituais de despedida. Não há morte sem um corpo. No livro, Marcelo conta que ela costumava repetir em suas palestras: “a tática do desaparecimento político é a mais cruel de todas, pois a vítima permanece viva no dia a dia”.
Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, o exemplo de Eunice é uma inspiração para seguirmos em pé, defendendo a vida, a democracia e os direitos humanos. Mas é preciso que estejamos atentos e fortes, porque, assim como nós, eles também ainda estão aqui.
Foto: Divulgação do filme “Ainda estou aqui”

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