“Fim de expediente, num dia cansativo, uma mulher resolve tomar uma cerveja em um bar, sozinha. Acomoda-se, fala com o garçom e nos próximos minutos viverá uma experiência marcante – e apenas aparentemente banal. A cadeira em que ela está sentada se quebra e a protagonista desta história vai ao chão (…) Ela sabe a causa da queda: seu peso, seu corpo gordo, que não cabe no mundo, menos ainda em uma cadeira. A partir deste episódio, entramos com a narradora em uma espiral de reflexões, lembranças e vivências intensas que giram em torno das questões postas pela obesidade, pela obstinação por emagrecer e caber em um padrão (…)“
Esta é a sinopse de “Infinita”, obra da gaúcha Camila Maccari, que recomendo fortemente. O livro nos desacomoda e, especialmente, nos faz refletir sobre nossa postura – e comentários desnecessários – a respeito da obesidade. O texto de Camila é cru, direto e sufocante, mas fundamental. Assim como nos esforçamos para desconstruir o racismo, a LGBTfobia, a misoginia e tantos outros preconceitos, está mais do que na hora de refletirmos sobre a gordofobia. Um desafio e tanto, já que apoiar iniciativas de combate ao estigma relacionado ao peso e, ao mesmo tempo, não minimizar os perigos da obesidade exige muito tato. Que fique claro: existe uma grande diferença entre perceber o sobrepeso como uma doença que pode levar a outras comorbidades ou então julgá-lo a partir da pressão estética.
Não são raros aqueles que ainda enxergam a obesidade como desleixo e falta de força de vontade, uma crueldade com quem, em geral, já tentou emagrecer muitas vezes, algumas com sucesso, outras nem tanto. Colocar-se no lugar de um obeso implica saber que o tratamento da doença é complexo e envolve uma equipe multidisciplinar – endocrinologista, nutricionista, psicólogo, treinador físico e até cirurgião. Nesta jornada, sem prazo para terminar, nos cabe apoiar e, principalmente, evitar comentários e críticas, mesmo os que não são feitos na frente da pessoa em questão. Precisamos desconstruir em nós esse padrão estético que se transforma em obstinação, especialmente para as mulheres. Um corpo feminino grande é muito mais criticado do que um masculino, todos nós sabemos. Aliás, o controle dos nossos corpos sempre foi uma forma de dominação do patriarcado.
Do bullying na escola à loucura pelo ozempic, a vida dessas pessoas coleciona humilhações e constrangimentos. A protagonista de “Infinita” nos faz sentar naquela cadeira que desaba e, sem piedade, sentir as dores de um corpo gordo que não cabe em lugar nenhum. Pra mim – e para a maioria das mulheres que participam do Clube do Livro Fê Pandolfi + Follow Was – “Infinita” foi uma lição transformadora. Viva a literatura!