No último sábado, 16 de novembro, estudantes da Faculdade de Direito da PUC–SP protagonizaram um episódio racista e elitista contra alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), durante os Jogos Jurídicos Estaduais, em Americana (SP). Entre as ofensas, os agressores se referiam ao time adversário como “cotistas e pobres”. O caso viralizou nas redes sociais, justamente às vésperas do Dia da Consciência Negra e resultou na demissão de alguns implicados das funções que ocupavam em grandes escritórios de advocacia paulista. Uma punição justa, já que racismo é crime inafiançável. Mas isso não basta.
É imprescindível questionar o que leva estes jovens – na faixa dos 20 anos e que em breve poderão se tornar advogados, promotores ou juízes – a reproduzirem o racismo estrutural que teima em se perpetuar na sociedade brasileira. O estranhamento é ainda maior por envolver uma geração que, a priori, dispõe de todas as informações a respeito das crescentes lutas travadas no combate ao racismo. Ao “acusarem” os estudantes de “cotistas”, os futuros advogados revelam, para nosso espanto, absoluto desconhecimento sobre uma das maiores conquistas da educação brasileira: a política de cotas raciais nas universidades federais que possibilitou aos estudantes de baixa renda, egressos do ensino público, a oportunidade de cursar uma universidade federal, espaço ocupado, tradicionalmente, por aqueles que estudaram em escolas privadas de alta qualidade. Para jovens como esses, é como se os negros, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência estivessem roubando as “suas” vagas, entendidas como um direito adquirido e intocável. Será possível que os futuros Operadores do Direito não reconhecem a brutal desigualdade que existe na sociedade brasileira, em que um candidato, por exemplo, precisa percorrer distâncias enormes para chegar à escola, muitas vezes mal alimentado, depois de um dia de trabalho para contribuir com a renda familiar, e os que têm o privilégio de apenas estudar, frequentar cursos de idiomas e fazer intercâmbios? Posso apostar que não se trata de desconhecimento, mas de uma incômoda inveja dos menos favorecidos que, apesar das inúmeras dificuldades, conquistaram seu lugar na academia e, ao fazê-lo, se “igualaram” aos demais.
Angela Davis – filósofa, escritora, professora e ativista estadunidense – disse que “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, ou seja, o que cada um de nós está fazendo ativamente para combater o racismo? Estamos questionando por que nos restaurantes os pretos e pretas geralmente estão servindo, limpando ou preparando a refeição? Já nos perguntamos por que os negros ainda são raros em cargos de poder ou por que são as maiores vítimas da violência policial? Quantos autores negros você já leu? Qual a relação entre a escravidão e o racismo?
Como diz Djamila Ribeiro, no livro “Pequeno Manual Antirracista”, este processo envolve uma profunda revisão crítica a cerca de nós mesmos. Ela sublinha que “implica perceber que, mesmo quem busca ativamente a consciência racial, já compactuou com violências contra grupos oprimidos”. Em um país miscigenado e desigual como o Brasil, ser antirracista é um desafio urgente e intransferível.