Três dias nos separam do fim de agosto – se é que você está lendo a coluna na data da publicação – o que me levou a aproveitar o mês para recomendar um dos livros mais aguardados, e polêmico, de 2024: a obra póstuma do genial Gabriel García Márquez “Em Agosto nos Vemos”. O lançamento mundial, no dia 6 de março, quando Gabo completaria 97 anos – e uma década após a sua morte – causou discussões acaloradas nas redes sociais. Tudo porque o “nosso” Nobel de Literatura havia decretado que os manuscritos deviam ser descartados. Ele não os considerava bons o suficiente. Contrariando o desejo do pai, os filhos do autor decidiram lançá-lo, suscitando, entre uma parcela de leitores, uma irredutível fidelidade ao autor. No próprio prefácio do livro, inclusive, os filhos apresentam as razões que os levaram a fazê-lo e se desculpam pela traição.
Em Agosto nos Vemos foi escrito nos últimos anos de vida de Gabo, quando ele já sofria com o declínio de suas faculdades mentais, especialmente a memória. De fato, é impossível compará-lo aos aclamados Cem Anos de Solidão, O Amor nos Tempos do Cólera, Crônica de Uma Morte Anunciada e tantos outros que o alçaram ao patamar de um dos maiores escritores do século XX. Nem seria justo, dadas as condições de saúde que ele enfrentava. Também porque se trata de uma obra inacabada, que originalmente fora planejada para ser composta por cinco contos, e não como um romance. Soma-se a isso o fato dos escritos não terem sido rigorosamente revisados, uma marca de García Márquez.
De minha parte, faço coro aos milhões de fãs do colombiano que aguardavam ansiosamente o lançamento. Porque para mim, mesmo quando Gabo pode ser considerado mediano, é bom. Foi assim que festejei a leitura como a escolhida pelo Clube do Livro de que participo, com curadoria da jornalista Fernanda Pandolfi, a partir da iniciativa de uma marca de roupas da capital gaúcha, a Was. E aqui vai um elogio: não é o máximo uma marca incentivar a literatura?
Em Agosto nos Vemos tem como protagonista Ana Magdalena Bach que – todo dia 16 de agosto – pega uma barca até a ilha caribenha onde sua mãe está enterrada para lhe prestar homenagens. Aos 46 anos, seu roteiro anual, sempre repetitivo, passa por uma grande mudança quando Ana conhece um homem e se permite desfrutar uma noite com o desconhecido, a despeito de ter marido e filhos. A partir daí, as visitas nunca mais foram as mesmas e marcaram um ponto de não retorno à vida da protagonista. O enredo simples não esconde as digitais de Gabo. Ali estão seus temas característicos como o amor, a desigualdade social, as mazelas da nossa América Latina e o apreço pela música e a literatura.
Eu recomendo que você pegue essa barca com Ana Magdalena e navegue suave na companhia do mestre do realismo fantástico, orgulho de todos nós, latino-americanos. Até porque, quem nos dera escrever tão bem quanto Gabo nos últimos anos de vida.