O último filme do consagrado diretor espanhol Pedro Almodóvar – O Quarto ao Lado – estreou na Netflix e aproveitei para revê-lo. Tive o prazer de assisti-lo na incomparável telona do cinema, no ano passado, e fiquei impactada com esta obra vencedora do Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Veneza de 2024.
O Quarto ao Lado traz à discussão o direito de decidir sobre a própria morte, o que ainda é um tabu, mesmo que alguns países contem com legislação favorável à chamada Morte Voluntária Assistida (MVA). Sem dar grandes spoilers, no filme as amigas Ingrid (Julianne Moore) e Martha (Tilda Swinton) se reencontram depois de muitos anos sem contato. Ingrid está lançando um livro que versa sobre a morte e Martha tratando um câncer. Solidária ao drama da amiga, Ingrid passa a visitá-la diariamente no hospital, tornando-se aquela companhia que acolhe, escuta e apoia emocionalmente. Até que a situação se agrava e os médicos informam que Martha está com metástase no fígado e nos ossos, uma sentença de morte que pode levar poucos meses ou no máximo um ano. É quando ela decide abandonar o tratamento para ter o que chama de “uma boa morte”, livre das dores, fadiga, vômitos e todos os efeitos colaterais que terapias desta natureza implicam, especialmente em casos terminais. Martha compra uma pílula de eutanásia na deep web e pede que Ingrid esteja com ela em suas últimas semanas de vida.
Coincidentemente, dias depois de rever o filme, acompanhei a entrevista que o jornalista e escritor Adriano Silva concedeu à revista Parêntese, da Matinal Jornalismo (sugiro a leitura em www.matinaljornalismo.com.br), por conta do lançamento de seu livro “O dia em que Eva decidiu morrer”. Trata-se de um livro-reportagem sobre o caso real de uma filósofa brasileira que viaja à Suíça para morrer com dignidade. Fato semelhante ocorreu em outubro do ano passado, quando o escritor e compositor Antonio Cicero – membro da Academia Brasileira de Letras – se submeteu a um procedimento de morte assistida também na Suíça. Na entrevista, Adriano Silva questiona por que instituições como o Estado, igreja e inclusive a medicina ainda controlam nossos corpos, negando-nos o direito de decidir sobre a própria morte.
Faço parte dos que acreditam que essa discussão deva ser ampliada e, mesmo que esta coluna seja um espaço limitado para aprofundar o tema, é importante trazê-lo à reflexão. Para mim, não há sentido em uma vida vegetativa ou sem perspectivas de cura. Não vejo sentido, também, em acreditar que o calvário dos pacientes terminais seja uma experiência espiritual necessária, algo que tenhamos que passar para cumprir os desígnios de Deus. Respeito opiniões contrárias, mas o meu Deus é de amor, não de sofrimento.
Independente do entendimento de cada um sobre o assunto fica a sugestão para que você confira O Quarto ao Lado, um belíssimo filme que trata com sensibilidade não só o direito à morte, mas também nos emociona ao abordar o valor incomensurável da amizade.