Há duas décadas, a Oxford University Press – que edita o Dicionário Oxford – elege a palavra do ano, aquela que reflete o espírito ou as preocupações dos últimos 12 meses. São termos que ganham popularidade nas mídias sociais e passam a fazer parte da linguagem do dia-a-dia, inclusive no jornalismo tradicional. Em 2024, a palavra eleita foi “brain rot”, que em tradução literal significa cérebro podre. Trata-se da deterioração do estado mental e intelectual de uma pessoa, a partir do consumo excessivo de conteúdo on-line de baixa qualidade, especialmente nas redes sociais. A escolha é resultado de uma votação pública que contou com 37 mil participantes e está baseada em evidências de uso extraídas de um banco de dados, constantemente atualizado, que contém cerca de 26 bilhões de palavras provenientes de fontes de notícias.
O termo “brain rot” ganhou força entre as gerações Z (nascidos entre 1997 e 2012) e Alfa (dos que vieram depois de 2012), o que demonstra uma autoconsciência sobre o impacto prejudicial da internet. O curioso é que essas mesmas gerações amplificaram a expressão justamente no ambiente que dizem causar a podridão cerebral. Não é novidade que jovens e adultos sabem que o consumo quase obsessivo de conteúdo on-line de baixa qualidade – como os vídeos sem relevância que viralizam, memes e outras produções triviais – tem afetado a capacidade cognitiva e intelectual dos usuários. A questão é que seguem presos a eles.
Sempre que ouço discussões acaloradas sobre a preocupação com o comportamento digital dos jovens procuro lembrar que não só eles, mas também os adultos, costumam passar horas rolando o feed de suas redes. São mães e pais que enquanto os filhos brincam seguem de olho nas telas e até presenteiam as crianças da primeira infância com smartphones e tablets em troca de minutos de descanso. Não me parece justo, portanto, apontar o dedo quando temos telhado de vidro. Na verdade, o exemplo cabe a nós, adultos, assim como acontece em outras áreas do comportamento. Se você não comer salada, dificilmente seu filho comerá. Se você não tiver o hábito da leitura, muito provavelmente ele irá repetir que ler é chato.
A propósito, cabe lembrar que a 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” –divulgada em novembro passado – aponta que 53% dos entrevistados não leram nem mesmo parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa. É a primeira vez na série histórica que o levantamento conclui que a maioria dos brasileiros não leem e que perdemos cerca de 7 milhões de leitores em quatro anos.
A palavra do ano do Dicionário Oxford reflete uma preocupação mundial: o quanto a sobrecarga digital está modificando a estrutura e funcionamento do cérebro. Neurocientistas afirmam que já é possível constatar que há um declínio cognitivo (memória, atenção, linguagem) e déficit cognitivo, quando deixamos de estimular o cérebro e ele não apreende conteúdo de qualidade. Um desafio e tanto: o que faremos para reverter esta escalada?