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Coluna da Gabi

Gabriela Ferreira

A vida não é útil

Lá venho eu de novo com um título de artigo cuja frase não é minha. Porém, em minha defesa, devo dizer que só trago boas referências. E, neste caso, muito bem acompanhada por Ailton Krenak, de cujo livro peguei emprestado o título.

Krenak é um crítico do consumismo desenfreado, apontando a devastação ambiental do planeta Terra como consequência de uma visão estreita e excludente do que é a humanidade e das tendências destrutivas do que se chama de civilização. Para ele, a raiz de muitos dos nossos problemas é justamente a necessidade de tornar a vida humana útil, a ideia de que tudo que é feito e vivido precisa ter uma utilidade no âmbito do sistema econômico—ou não tem valor.

No caminho em direção a um lugar que não sabemos bem qual é, mas guiados pela necessidade de produzir cada vez mais, vivemos uma epidemia global de ansiedade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou, já em 2019, que o Brasil é o país do mundo mais afetado por essa crise, além de ser o que registra maior incidência de depressão na América Latina. Dados do Ministério da Previdência Social mostram que, em 2024, o país registrou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais. Trata-se do maior número desde 2014 e um aumento de 68%. A busca constante por produtividade e desempenho, seja profissional ou pessoal, está nos deixando—literalmente—doentes. E aqui a ironia: segundo a OMS, a depressão será a doença que mais gerará custos econômicos e sociais para os governos, devido aos gastos com tratamento para a população e às perdas de produção.

Vivemos na Sociedade do Cansaço, expressão que dá nome a outro livro, do filósofo Byung-Chul Han que, além do excesso de positividade e a necessidade de parecer sempre bem, aponta que vivemos em um tipo de ‘sociedade de desempenho’, na qual o indivíduo se torna seu próprio opressor na busca contínua de sempre mais—não importa o quê. Diante desse cenário, Han defende que devemos recuperar, urgentemente, a capacidade de desacelerar, contemplar e descansar, mesmo—e especialmente—se quisermos criar coisas.

Recentemente o autor recebeu o Prêmio Princesa de Asturias, na Espanha, quando reivindicou “mais festa e mais siesta”, que faz parte da cultura do país, como forma de combater a tendência ao individualismo consumista.

O que chama de descanso revolucionário também é defendido por Tricia Hersey no seu livro ‘Descansar é Resistir’, onde ela diz que o valor de uma pessoa não deve ser medido pelo quanto ela produz, especialmente se o modelo produtivo explora e desumaniza. Nesse contexto, descansar se torna um ato de resistência que permite reafirmar nossa humanidade.

Temos dados, fatos e estudiosos alertando para o problema. Sentimos os efeitos do contexto em nós e nos nossos. O que mais precisamos para mudar?

O que precisamos para dar à vida o real valor que ela tem—para além de altos preços a pagar por algumas convenções e status duvidosos?

A vida é uma bênção. Mas também é um sopro. E esses dois motivos bastam para que pensemos em cuidar bem dela. Sem isso, nada do que fizermos nos será útil.

Para saber mais:

• Dinheiro não se come, diz Krenak:

https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Vida_N%C3%A3o_%C3%89_%C3%9Atil

 A esperança feroz de Audax M. Gawler:

https://fastcompanybrasil.com/impacto/a-esperanca-feroz-que-imagina-um-futuro-para-alem-da-distopia/

 Descansar é resistir: http://www.triciahersey.com/

https://www.nonada.com.br/2024/11/o-cochilo-como-resistencia-conheca-tricia-hersey-a-artista-e-poeta-que-defende-o-descanso/

 Byung-Chul Han: http://www.byungchulhan.de/

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