Todas as noites ele vinha me visitar, contava histórias de nossa família, no início não entendia mas com o tempo tudo foi clareando dentro da minha cabeça.
Vovô Congo contava que quando vieram morar aqui, foi após a fuga da escravidão e nem sabe como chegou com vida, foram se escondendo até construir pequenas casas cobertas de folhas e tudo que tinha na mata.
A alimentação era toda extraída da natureza, pequenas plantações e com o tempo, criação de animais.
Já a saúde era precária e o que realmente salvava eram as ervas aplicadas pelos curandeiros, suas rezas – que vinham do coração- tinham um poder nunca visto.
Ele me contava da escravidão, tão sofrida e castigada onde teve suas pernas cortadas.
Somente alguns conseguiram fugir e se instalaram aqui onde a perseguição nunca terminou.
Por isso hoje quando vejo alguém se aproximando já coloco o pé na frente e abro os braços, embora pequena, tenho a grande proteção desta falange que de nós cuida.
Essa gente quer expulsar todos os que ainda restaram para fazer casas grandes, tentando de todas as maneiras possíveis.
A justiça muitas vezes não reconhece nossas conquistas, assim como a dos indígenas que também sofrem perseguições constantes.
Vovô Congo conta que hoje ele é uma entidade de luz, com sabedoria e humildade e que está presente para tentar passar a mensagem de justiça a todos e preservar a história, foi com essa missão espiritual que veio fazer a humanidade entender os valores da vida.
Quando acordo a primeira coisa que faço é abrir a porta e olhar longe, agradecer por ter nascido aqui e poder assistir parte do que minha família passou e passa.
Não consigo entender porque essa história não termina nunca, porque essa gente só pensa em dinheiro e exploração.
E o que mais me deixa triste é quando falam da nossa cor, se acham raças superiores…
De tudo que assisti durante minha pequena existência, o que me move é a esperança de um dia sermos livres de verdade e eu poder sair porta afora e voar como um pássaro.