O seu canal de notícias dos Campos de Cima da Serra

Oficina Santa Sede

Santa Sede

O médico e o monstro – Silvia Beatriz Alves Rolim

Quando lembro o susto naquele dia, imagino que se fosse em noite de lua cheia, não haveria outro local senão uma igreja para rezar até amanhecer. Por instantes, foi a visão do inferno.

Diagnosticada com uma hérnia de disco, cirurgia marcada e tudo, tentava uma segunda chance de notícia menos brutal.

Máscara tripla, face shield, álcool em gel e um par de luvas na bolsa. E lá me fui para o consultório de um médico que receitaria cúrcuma, colágeno não hidrolisado, sessões de fisioterapia e Deus sabe mais o quê. Os meses de 2020 foram difíceis.

Como uma pessoa que festejou o aniversário no final de 2019, dançando cinco horas quase sem parar, não sentiu sequer uma dor? E como, nove meses depois, estava prestes a entrar na faca, em pleno pico da pandemia?

O fato é que estacionei o carro, peguei minha sombrinha e enfrentei uma chuvarada por uns quinze metros de calçada até chegar no consultório. Não preciso dizer que a sala de espera, sem janelas, estava lotada. Apresentei documentação e aguardei no corredor do edifício. Ao menos metade do corpo. O resto se inclinava sala adentro para não perder a chamada.

– Senhora, senhora! Sua vez.

Entrei na consulta já em velocidade levemente acima do normal. Sentei na frente do médico e iniciou-se a avaliação.

– O senhor costuma trabalhar com a janela fechada?

– Tem bastante ventilação aqui.

– Fica tudo meio úmido com chuva, né?

– Me conte seu problema.

Que antipatia.

– Agora a senhora passe para a sala de exames. Vista o avental pendurado à sua direita.

Hoje penso que um simples treino de respiração me salvaria. Inspira profundo, expira longo, três vezes. Já salvou muita gente.

Passei rapidinho para o local e, num piscar de olhos, peguei o avental longo e preto na parede.

Coisa esquisita. Vim pensando em salvação e tem uma capa do Conde Drácula. Eu heim?

Estranho, meio grande, emborrachado, sem cordinha para amarrar. Cadê a frente? O que eu faço? Meu coração tá acelerando.

Ouvindo passos se aproximando, vesti aquele troço do jeito que deu e me virei, justo no momento que o médico chegou e gritou com os olhos arregalados:

– O que é isso?

– Eu é que pergunto o que é isso! Avental preto de gola alta? Tô parecendo um pelicano!

– É um capuz! Quarenta anos de profissão e nunca vi uma coisa dessas.

– Tira a minha capa de chuva guria! 

Postagens Recentes
Colunistas

Você Mente?

Uma grande amiga, jornalista e escritora brilhante, a Helena Terra, publicou uma crônica na  plataforma Sler (www.sler.com.br) que me inspirou

Assine nossa newsletter