O brilho das bolas coloridas, o cheiro fascinante de cigarro e do álcool. O pano verde, como um palco iluminado. Os tacos, lanças de madeira em mãos de guerreiros embriagados e a grandeza dos salões do Clube Comercial de Bagé. Tudo isso encantava o menino, levado pela mão do pai, para conhecer o paraíso.
Suponho que meu pai tenha me levado uma ou duas vezes, mas a lembrança é tão forte que parece que eu fazia parte daquele universo fascinante.
Mais tarde, já adolescente, podia ir ao clube à tarde para jogar, mas sem o mesmo encanto. O snooker é definitivamente um esporte noturno. Pode ser jogado em qualquer hora, mas a noite é melhor, assim como o carteado, até porque são prazeres que se pratica bebendo e sabemos que beber de dia é errado e perigoso.
Em minha casa em Bagé, morava conosco o Ranulfo Malaquias. O Negão, como era conhecido e admirado, era o marido da Mamama, uma preta maravilhosa, nossa segunda mãe. Negão era um faz tudo querido e sorridente que nos momentos de folga escorregava para botecos com os mesmo cheiros do Comercial, mas com mais barulho e menos charme. As mesas de sinuca eram menores e funcionavam com fichas que liberavam as bolas. As bolas eram opacas pelo uso, mas a magia era quase a mesma. Algo que os garotos bons de bola devem sentir quando trocam a pracinha pelos grandes estádios.
Cresci em Porto Alegre, praticando no Petrópolis Tênis Clube no Bar João, sonhando em ter uma arena pra chamar de minha e jogar com o Totoso, com o Joel Maconha, com Jajá, com o Pedro Xuxu, entre outros aficcionados e parceiros do clube e dos bares da noite.
Quando decidi ter uma casa em Canela, o primeiro critério de escolha era ter espaço pra mesa oficial. Achei nos Alpes Verdes e a primeira encomenda foi a mesa de sinuca. Durante vinte anos, enquanto a batalha seguia árdua, aos finais de semana chamava um companheiro, vínhamos para Canela e passávamos as tardes e noites jogando sinuca e tomando cerveja, que esta sim é a bebida do sinuqueiro. Quando não tinha parceiro de fora, chegava em Canela, passava no Empório e arrastava o Matoso, que não era bem um amante do taco, mas gerava boas risadas nas noites frias de Canela.
Na verdade, a sinuca precisa da parceria. Em torno da mesa grandes amizades são construídas e era desesperador não encontrar um amigo disponível para subir a serra e morrer jogando. Os fins de semana ficavam mais tristonhos e a vida mais devagar. Pior ainda é ter a arena e não ter atores, afinal todo o artista precisa de platéia e o companheiro de jogo é esta plateia. Hoje minha arena é perfeita. Madeira nobre, pano impecável, tacos afiados, mas os parceiros da antiga desapareceram. Um a um. Se foram sem deixar herdeiros. Encontrei novos que agora cuido com carinho pra que sigamos juntos em volta do pano verde, uma cerveja na mão e amor no coração. Precisamos muito uns dos outros.
Afinal, o artista sem plateia não sobrevive. Sucumbe como uma bola preta imóvel, decisiva, encaçapada com muito cuidado, na reta final da partida.