A Academia Brasileira de Letras recomenda que o nome Neusa seja grafado com S, pois, pela regra, usa-se S após ditongo. Essa pra mim é nova. O nome, aliás, é popular no Brasil e tem origem incerta, mas algumas teorias sugerem que pode vir do germânico “Neus”, que significa “moça” ou “jovem”. Outra possibilidade é que seja um nome literário, inventado, talvez com base no inglês “new”, que significa “novo”.
Esta é mais uma crônica em homenagem a minha amiga Neusa Hickel, então creio que as duas podem estar certas. De espírito eternamente jovem, e criativa como ela, é bem provável que optaria pela liberdade que a ficção proporciona. Nada como ter autonomia para usar e abusar dos inúmeros caminhos que a invenção permite. Neusa é de caminhar sem barreiras e fronteiras pelas frestas possíveis, como fez com a casa vazia na praia que imaginou durante o inverno. Levou trens do interior pelos trilhos de tempos remotos, encontrando o futuro.
Saindo das criações infinitas de uma crônica-conto, nossa amiga autora também se ateve à realidade, ao duro dia-a-dia dos noticiários. Criticou em seus escritos, sempre que necessário, batendo firme nos personagens avessos às regras democráticas de nossa nação.
Mas o destaque desta crônica, que se pretende episódica, é lembrar algumas passagens inesquecíveis da querida Neusa. Foram muitas as aventuras literárias: dezenas de debates do Clube do Livro, mais ou menos quarenta encontros desta oficina, Santa Sede, presenciais e online, e ainda alguns saraus, amigos secretos literários e outras sessões de autógrafos.
Guardo cada um destes momentos com carinho, mas lembro especialmente de alguns. Como quando perguntei a ela sobre seu contato com as letras. Neusa me contou que, como pensava Paulo Freire, é importante ler o mundo antes. E que com ela fora igual quando conheceu o mar, e tal qual o menino-personagem de Eduardo Galeano, que via o oceano pela primeira vez, pediu com humildade: me ajude a olhar. Eu não entendi, e ela explicou, citando Rubem Alves: “é possível dizer que a diferença está no lugar onde se guarda a escuta e o olhar – se nossos olhos e ouvidos estiverem guardados na caixa de ferramentas eles serão instrumentos práticos e necessários, porém limitados”. Eu insisti que precisava de um maior esclarecimento, e, com ternura e paciência, me desenhou: “Um melhor lugar para guardar olhos e ouvidos é na caixa de brinquedos. Ali podemos fazer como as crianças, deslizar seus usos, dando margem para a invenção e a criatividade, transformando olhos e ouvidos em olhar e escuta.”
Eu sem dúvida me senti mais preparado para o mundo ao aprender com esta querida amiga Neusa. Assim como hoje me sinto tranquilo e feliz, pois a visualizo chegando em alguma livraria, lugar imaginado por Borges como o paraíso.
Trechos em aspas extraídos de sua crônica Fabulando frases de bolso – o incrível caso de guardar olhos e ouvidos na caixa de brinquedos, de abril de 2023, publicada na antologia Santa Sede Safra 2023 – Só e bem acompanhado, no mesmo ano.