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Coluna da Paty

Patrícia Viale

A Defesa

Às senhoras e senhores, que aqui estão, suplico por sua máxima atenção. Fechem os olhos e permitam que eu os conduza para um cenário. Imaginem-se todos vocês em uma noite fria. Daquelas que duas blusas de lã não são suficientes para esquentar o corpo, quanto mais acalentar a alma. Chovia muito e ser algum arriscava-se a sair de casa. Um momento de família, de aconchego, de somente estar próximo do bem querer. Então suponham, que as senhoras e os senhores estivessem voltando para suas casas, depois de um dia de trabalho, um tranqüilo happy hour com os amigos. E vocês pegaram seus carros e retornavam ao lar. Mas no caminho se depararam com a seguinte cena: o carro fez uma curva e passou por uma poça d’água. Talvez por causa da curva ou da poça d’água, seus olhares concentraram-se num canto. Num monte. Num ser vivo estaqueado, agonizando, sem condição alguma de movimento, seja para pedir socorro, seja para livrar-se da tal arma maldita. Então vocês diminuem a velocidade e seus olhares, agora totalmente atônitos, fixam-se na cena. Mas vocês não param. Vocês passam. E por que parar? Vocês são seres sociais demais para estacionarem seus carros e socorrerem alguém em dificuldades. Porque a mídia, seus amigos, seus colegas de trabalho e suas famílias já banalizaram de tal maneira a violência e a crueldade, que a vocês só restou acostumarem-se. Aliás, vocês também foram colaboradores nesse processo de banalização. Que tal? Já mexi com seus sentimentos de piedade, justiça ou terei de ir além? Então prestem atenção.

Esse ser estaqueado, sangrando, em noite de chuva e frio, tinha os olhos arregalados. Olhos enormes. Olhos estranhos. Ou se preferirem esbugalhados. Não de dor, mas de medo. De pavor, pânico. Na dor, os olhos se fecham aos pouquinhos. Vão se fazendo pequenininhos, menor a cada instante, até fecharem-se por completo. No medo, a ânsia de se buscar um socorro ou uma resposta é tanta, que os olhos explodem e procuram por algo que talvez jamais terão: segurança.

E falando em segurança, as senhoras e os senhores, que assistem essa defesa, já imaginaram a infinidade de seres que sofrem de tanto medo? Não se trata de um medo qualquer. Estou falando do medo sem resposta. Medo de ver sua casa sendo destruída e não saber o motivo. Medo de ver sua família sendo massacrada e não saber a causa. Medo. Eis uma palavra perigosa, um sentimento mortal. E aqui não narro o medo como um susto qualquer. Quero levar vocês mais longe. Quero que vocês associem medo à terror. Jamais temor, pois não me refiro ao medo de perder o emprego, medo de não ser popular, de não alcançar os padrões estabelecidos pela sociedade. Não falo desses medos cotidianos, que nos fizeram esquecer de tudo mais que existe tão perto de nós. Falo de um medo mais grave. Algo que fez esse ser fugir apavorado. Sem direção, sem pensar em suas ações, sem sequer lembrar de sua família, que também poderia estar correndo risco de vida. E ao tentar se esconder, ou novamente fugir, ele foi pego. Foi maltratado. Humilhado. Não teve noção, mas seu instinto dizia que estava morrendo. Aos poucos, uma agonia sem fim. Como um miserável. Um condenado a não viver nesse mundo cheio de regras. E nos poucos sentidos, que ainda restaram a ele, somente pensou no medo de morrer. No medo de estar só. No medo do desconhecido. Simplesmente o medo. Aquele medo irracional, que trava seu corpo, que gela seu sangue, que ofega sua respiração e arregala seus olhos.

Senhoras e senhores, alguém aqui consegue imaginar o fim de tal ser? Ele morreu. Sem pessoa alguma saber de seu pavor ou sofrimento. Senhoras e senhores estou aqui na defesa de sua família, de sua casa, do seu direito em viver livre. Meu cliente chamava-se “gambá”, um pequeno mamífero, mas de caráter. Um animal nativo de nossa região, que foi cruelmente massacrado e morreu sem amparo. Um animal que recebeu de nós, seres humanos, desamparo. Mas por que? Por ser um mero bicho. Um bicho sem sentimentos e sem utilidade alguma em nossa tão saudável sociedade. E se fosse conosco? E se outros homens, com o mesmo sentimento de violência e indiferença, invadissem suas casas para destruir, roubar, massacrar suas famílias e acabar com suas vidas, o que diriam os senhores e as senhoras? “Tudo bem, é a vida”? “Uma injustiça”? Reflitam com cuidado sobre suas decisões e lembrem-se de que o Criador uma vez disse, que a vida seria um direito de todos os seres vivos, não somente daqueles que se dizem seres racionais.     

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