Quem já não morreu? Belchior fez refletir que ano passado falecemos e seguimos tipo zumbi, resistindo. Essa do zumbi é grifo meu. Eu, que tenho uma camiseta do querido cearense, duas do Radiohead e 10 do Bob Dylan, ainda estou atrás daquela “escrita eu te amo”, do poeta porto-alegrense WANDER WILDNER, o tubarão que precisa nadar pra não afundar. Logo, logo, ele sei vai, como todos iremos. Repito a pergunta: quem já não esteve lá? Vou contar o causo de pós-morte do Beto:
Alberto era um cara da paz, sereno, até ingênuo. E gostava disso. Percebia que zoavam dele. Não só tiravam uma onda como também parte do seu patrimônio, eventualmente. Sim, ele sacava que o estavam passando para trás, e ainda assim, seguia caminhando com quem não lhe queria tão bem. E justamente, por demonstrar logo adiante que estava a par das tramoias, causava verdadeiro nó na cabecinha dos malandros. E, quase sempre, após fumarem o bom baseado na casa de Alberto, os mesmos vacilões vinham pedir desculpas e agradecer.
Quase sempre. Uma pessoa abusou da bondade do nosso protagonista. Laura foi a namorada da faculdade. Era ciumenta, braba. Cheirava e traía ele com aqueles. Betão viu que com ela seria uma jornada bem longa ao entendimento. Combinou numa pizzaria para tentarem terminar numa boa. Assim que comunicou o fim, apareceu o cliente racista que seguia o motoboy para devolver a pizza. O escroto havia gritado ao porteiro que não iria comer o que antes o entregador havia tocado. Cena lamentável, dois crimes absurdos: vários disparos e uma bala vai direto na cabeça do nosso herói.
Betinho flutuou em algo parecido com o tapete do Alladin, por um longo túnel que parecia o Rebouças durante a greve dos caminhoneiros – todos de bandeira verde e amarela, luz alta e buzinando – um horror. Num flash, estava no Palácio Guanabara, apertando a mão deles todos, um calorão, mais que 60 graus, geral fritando, arrastão, BOPE e gol do Eurico Miranda. Teve sorte, Cristo tava de saia mas com desenvoltura se abaixou e o apanhou, botou no ombro e saíram para mergulhar. Beto, agora sorrisão no rosto, escuta: “tu é meu camarada, bróder, tá mandando bem lá, hein?!” Nadaram até a Ilha Grande: “Bora esticar pra Paraty, amanhã começa a Flip. Aliás, desculpa, foi pra isso que armei aquela bagunça toda na pizzaria, queria trocar essa ideia contigo aqui, mas nem esquenta que logo tu já volta”.
-Porra, Jesus, tiro na cabeça pra vir em evento literário?
-Call me Geeza (tradução: Me chame de Crista). Lá tu não era desbocado, né, educadinha? Se liga: essa mesa é só na quinta mas como eu tenho poderes, já vamos participar dela é agora. Ó o título: “a cidade contra nós”, com a Bruna Mitani e José Falero, tu só conhece ele que eu tô ligada, são dois grandes nomes da literatura contemporânea. Meu dia-a-dia é muita oração, sabe, e eu me inspiro no jeito que eles andam contando as histórias, que é pra depois dar um feedback pra vocês lá.
-Vou ter sequelas?
-Sim, mas deixa com a Deusa: é o suficiente pra tu realizar aquele sonho, escrever tuas parada, bicho. Daqui três anos volto pra te ver falar nesse palco. Cadeirinha de rodas, mas é a lei de vocês lá das cotas, tô te dando essa mão aí, já.
-Eita, nem sabia que ia publicar e até já sei pra quem vai a dedicatória. A diaba que me carregue.
-Nem vem, não bota nóis no meio, eu sempre digo: é livre arbítrio, saporraê. Como dizia o bigodão lá de Sobral, essa coisa de “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, é só pra quem vacila.
-Essa parte do vacilo aí é grifo teu, né queridona.
-À mona. Amém.