O homem acorda. Toma uma xícara de café preto e come duas fatias de pão branco com manteiga. Mastiga devagar catando as migalhas que caem no parto e coloca-as na boca. A mulher se despede. Irá levar o filho na escola e fazer as compras do mês. Volto antes do almoço. Ele coloca a louça suja na pia. Depois ela lava. Espreguiçando-se vai para o quarto. Veste uma camisa bege clara e uma calça marrom, não tão clara. Um sapato confortável nos pés. Amarra os cadarços e se olha no espelho. Penteia os cabelos que ainda são fartos. Já na garagem pega uma pequena bolsa com munição e a espingarda. Entra no carro e dá a partida. Deixa o bairro tranquilo em que mora, liga o rádio e ouve as últimas notícias. Tudo normal, sem novidade alguma. Para onde ir? Semana passada fui até a área industrial, já não tem graça. Lá é tudo muito fácil, muita gente e ninguém corre, só caminham. Talvez a zona nobre da cidade. Coisa de primeira. E para lá segue sem alterar o movimento do pé no acelerador. O carro circula por ruas pequenas. Avista um casal de namorados. Esses não. É importante que eles procriem. Segue adiante e vê uma senhora arrumando o pequeno jardim em frente à casa. Nada mal, esta não fará falta a ninguém. Estaciona o carro em uma rua lateral. Pega a espingarda no banco traseiro e caminha em direção ao jardim, onde viu a mulher. Muito perto não faz sentido. A velha não corre, mal se mexe. Mira fácil. Então atravessa outra rua e olha a presa na diagonal. Perfeito. Mira. Na cabeça. E o sangue respinga nas flores amarelas. O homem solta uma risada abafada e caminha algumas quadras, quando percebe uma praça, onde crianças brincam com uma bola. Movimento, mais atenção, distinguir os fracos dos fortes e disparar. Irei fazer uma limpa. Aquelas duas estão muito magrinhas e aquele baixinho usa óculos…Agora é apontar e acabar com essas pragas. Isso pode destruir uma espécie toda. O dedo no gatilho, o olho na mira e um abatido. Recarregar. Alguns correm. Não preciso desses. Olha aqueles, tão bobinhos, parados, me olhando. Então tomem. Droga! De onde saiu aquela fêmea? Ela está sangrando. Devo tê-la atingido ao invés do filhote. Também quem mandou se meter? Agora terei que matá-la. Novo tiro. E um grito. Coisa pequena perto do que já vi. Ei, você é louco? Não conhece o regulamento? As fêmeas novas não podem ser derrubadas. Eu sei, mas ela se meteu e acabei ferindo-a e também está no regulamento que em casos de acidente e agonia, qualquer caça precisa ser sacrificada. Desculpe, eu não tive a intenção de atrapalhar, mas é que aparecem tantos amadores por aqui e se as coisas continuarem bagunçadas o Estado proíbe a caça. Eu sei. Mas o pior é saber que o número de fêmeas é muito maior que a dos machos e mesmo assim continuam protegidas por lei. Acho divertido atirar numa cria. Primeiro você mata o filhote e fica observando a reação da mãe. Como elas se desesperam! Aquilo me diverte e logo depois me irrita de tal maneira que no impulso acerto bem no meio de sua cabeça. Buuummmm! Ela caiu dura. Se não gritasse tanto eu até a deixaria viva. E por falar em fêmeas, conheço um lugar onde podemos praticar sem problemas com a fiscalização. Você está de carro? Eles dirigem-se a um vilarejo, vinte quilômetros da zona nobre da cidade. As estradas são de terra. O carro levanta a poeira, que não pesa naquele lugar. Enxergam casinhas sem cor. Mulheres lavam roupas nos tanques, o cheiro de comida vindo das cozinhas, onde se escuta música popular. O melhor é que nesse horário elas estão sozinhas. Os homens trabalhando e as crianças na escola. Pena que estou sem arma. Sem problemas, carrego uma espingarda reserva no porta-malas. Podemos nos divertir juntos. Escutam-se tiros e alguns berros. Depois se não fosse o rádio tudo estaria quieto. O homem volta para casa satisfeito. O almoço já deve estar pronto. Chega em casa e chama pela mulher. Ela ainda não voltou.