O seu canal de notícias dos Campos de Cima da Serra

Oficina Santa Sede

Santa Sede

Garota dos sonhos – Ricardo Largman

Como conquistar a garota dos sonhos? Ainda muito jovem, imaturo, tímido e inexperiente, além de deveras romântico, perguntava-me qual seria a estratégia mais eficiente para abordá-la. Chamava-se Claudia Gonçalves. Claudinha. Era a filha mais velha de um embaixador aposentado. Estudante de Arquitetura, elegante, de gestos contidos, tinha um corpo absolutamente perfeito. E o rosto de uma princesa. Na academia de ginástica, em Copacabana, era vista e reverenciada como uma espécie de “deusa” — e cobiçada por todos os frequentadores, dos marombeiros de plantão, sempre solícitos em emprestar seus bíceps para carregar anilhas, ao charmoso quarentão de vastos cabelos grisalhos, que não escondia sua forte atração pela garota. Celso era casado, a propósito.

De volta à estratégia. Bem, minhas alternativas não pareciam muito auspiciosas. Além da musculatura modesta, entradas profundas na testa indicavam que, se beleza e volume capilares contassem como trunfos, minhas chances de conquista minguavam a cada dia. Por outro lado, simplesmente me aproximar da garota e dizer qualquer bobagem poderia ser entendido como uma tentativa pretensiosa, invasiva — e certamente frustrada — de subir ao Olimpo. Não era o meu lugar. Nem o Olimpo nem a academia de Copacabana. E muito menos como namorado da Claudinha.

Devo ter exaurido minha mente tentando encontrar a tal estratégia ideal, e acabei até sonhando com a garota. Lembro bem do sonho: estávamos sentados, de mãos dadas, nas poltronas da sala de cinema. Ela, de olhos grudados na tela. Eu, admirando seu perfil irretocável, o sorriso suave, delicado, diante da projeção. Despertei do sonho com um outro tipo de sorriso. Um sorriso de confiança, de altíssima autoestima. De coragem. De quem tem uma estratégia infalível para conquistar a garota dos sonhos.

No final da tarde daquele mesmo dia, à saída da academia, fiz um primeiro contato nada casual com a Claudinha perguntando-lhe alguma bobagem inteligente. Ela sorriu. Nos dias seguintes as bobagens se transformaram em conversas igualmente inteligentes. Ela me revelou a intensa paixão pelas artes gráficas e aproveitei a deixa para contar-lhe sobre meu trabalho como crítico de cinema. Impressionada, aceitou meu convite para assistir à (naquele ano) última obra de Akira Kurosawa, cujo título me pareceu promissor: “Sonhos”. De uma beleza visual desconcertante, o filme tocou-a profundamente — de soslaio, percebi que lágrimas escorriam sobre a pele branca e fina do seu rosto. A estratégia funcionara à perfeição.

Não nos beijamos na sala de cinema nem em qualquer outro lugar naquela noite, contudo. Mas aconteceu. E o namoro durou umas três, talvez quatro semanas.

Poucos anos depois, mais maduro e experiente, embora ainda muito romântico, percebi que não era necessária estratégia alguma para conquistar a garota dos sonhos. Bastava escolher a garota certa.

Postagens Recentes
Colunistas

O jogo dos muitos erros

Ao olhar esta foto você enxerga o quê? Sofás jogados, lixo espalhado. Você enxerga um animal amedrontado também? Um filhote

Assine nossa newsletter