Quando criança, Paula descobriu o prazer de viajar. Era o que mais amava. Fosse com os pais, amigas, turma da escola ou grupo de escoteiros, não importava, queria muito se deslocar, se movimentar, conhecer novos lugares. Sua mãe era a melhor companhia, ela dizia. Foi quem deu a Paula seu primeiro caderninho verde, para anotar os municípios que visitava, as rodovias que cruzava, os rios e até pontes por onde passava. Logo tinha inúmeros diários, mapas, guias e outros materiais. Era metódica com seus escritos, e após regressar ao seu quarto, sozinha, passava horas lendo e relendo os registros, acrescentando notas, colando adesivos, fazendo marcações.
Os pais e o irmão achavam curioso o crescente interesse em desbravar o mundo, e apostaram sobre a futura profissão da menina. Se ela teria sua própria agência de viagens ou seria jornalista, especializada em roteiros? Seria escritora, claro, mas quem sabe também geógrafa? Começou publicando no jornalzinho da escola, depois no blog de uma vizinha, e então a primeira crônica saiu na Gazeta da Cidade. Ninguém imaginaria, mas Paula ousou na forma muito original de escrever – de forma íntima e existencialista, e acabou indicada para uma premiação. Não ganhou, mas naquele dia teve certeza que prestaria vestibular para Física. Guardou para si o segredo, mas foi deixando pistas em seus comentários reflexivos e subjetivos sobre as possibilidades de vivenciar de forma diferente e mais complexa os fatores essenciais de uma viagem: tempo e espaço.
Na época do fim do mestrado em Astrofísica, sua mãe se aposentou por invalidez. Tinha sido diagnosticada com EMRR, a esclerose múltipla recorrente-remitente. Foi quando decidiu que seria companhia para a filha em todas suas aventuras.
Paula terminou o curso e fez o primeiro passeio longo com dona Gilda, que relatou jamais ter se divertido, aprendido e amado tanto a companhia de alguém. Foi quando percebeu que podia se abrir, confidenciar sentimentos, lembrar e refletir o passado, saber que não teria um futuro, mas mesmo assim, imaginá-lo. Choravam com recordações, discutiam a infância, e as emoções as mudaram, definitivamente, assim como riachos e córregos alteram seu curso enquanto descem. O roteiro era equilibrado, com compromissos e agendamentos, mas também com folgas e momentos de descanso, e muitas vezes sem hotéis ou Airbnb reservados previamente. A dupla se permitia chegar em destinos, analisá-los e então fazer decisões. Dona Gilda, gradativamente, ia apresentando dificuldades de mobilidade.
Ficaram 5 meses curtindo o sudeste asiático e a Oceania. Ao final do percurso, a mãe já portava muletas e pedia cadeira de rodas nos hotéis e parques. Tiveram certeza que a mãe não poderia estar na próxima, mas essa já tinha “valido viver”, como escreveu em artigo publicado em uma das principais revistas de turismo do mundo.
O projeto do futuro doutorado já estava alterado e definido. A pesquisa tentaria entender a percepção do tempo ao longo de uma viagem. Quem não gosta do seu trabalho diário costuma dizer que 8h levam 12h, mas que quando está na praia, um dia passa voando. Paula buscaria responder pela física quântica se um dia de férias dura mais ou menos tempo que um de expediente tradicional.
Finalizado o pós-doc, meses após o funeral da mãe, Paula publicava em revistas científicas sobre a relação do viajar com a física. Quem lesse sua tese também entenderia sobre o tempo estendido da jornada que é a vida, quando temperada com afeto, amor e carinho. Um verdadeiro prêmio que todos buscamos, tendo apenas nós mesmos como concorrentes. Boa viagem.