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Por direito – Rossana P. Fantauzzi

Balançam as árvores em dança coreografada com a revoada de andorinhas em seu retorno entardecente deixando rasgos de sombras em inimagináveis tons avermelhados, que jorram do céu, sobre espelhos empoçados na terra lamacenta, assim como balançam inquietas sensações igualmente rubras no meu peito, agitando o meu coração morno em palpitações.

Sensações como o acalento acompanhado de cantiga de ninar do meu pai enquanto minha mãe passa delicadamente os dedos longos pelos meus cabelos finos. Como a do amor visceral ao embalar um novo ser meu, admirando os dedinhos perfeitos e minúsculos do filho recém-nascido. Como a força pungente dos abraços amigos e queridos e a leveza da alegria despretensiosa das gargalhadas largadas juntos. A sensação da inexistência de tempo e inexistência de saciedade, ao ouvir histórias de família no colo da avó sem me dar conta que a noite chegou e de poder comer batata frita a tarde toda sonhando com o que comerei no jantar. A de acordar bem cedo,  pôr biquini vermelho para ver o Sol nascer na praia, ainda silenciosa, recebendo bruma fresca no corpo todo. A de voltar do cinema sem saber que filme vi enebriada de tantos beijos beijados. Aquela sensação de sair de férias sem arrumar mala e a de rechear as malas com presentes para matar as saudades e as vontades de alguém que não vejo há tempos. Sensações coloridas, tocantes, perfumadas. Sentir contatos tão simples quanto o dos pés descalsos na grama orvalhada gelada, e a da água fria e azul, da enorme piscina, enregelando todo o couro cabeludo enquanto flutuo olhando embasbacada o céu estrelado.

Os meus olhos repousam nas folhas que continuam balançando ao vento enquadradas pela ampla janela, e os fecho suavemente. Posso percorrer anos em segundos, locais os mais variados. Ouço risadas, conversas, músicas. Cheiro os aromas de flores, de perfumes marcantes, de comidas no fogão e saboreio delícias na boca.

Ah, quantos prazeres me deleitam neste longo inverno de calmarias, me inquietando e animando a buscar mais lembranças que conseguem promover este frio na barriga, este leve arrepio dos pelos no braço, esta fala engasgada na garganta! Mesmo aqui sentada. Cabeça bem acomodada no travesseirinho macio da cadeira de balanço suave onde, sobre os joelhos doloridos cobriram-me com uma aconchegante coberta peluciada bege.

Reabro os olhos que ainda brilham lacrimejantemente porque tenho o poder de reviver lembranças vivas e ruidosas. Lembranças que me levam daqui em viagens tão prazeirosas neste momento tão estático do meu ser.

É o meu legado. Eu construí. É minha por direito, a minha vida. A minha história, as minhas lembranças. E é o meu derradeiro desejo: que tudo se apague quando eu não puder mais sentir através das minhas lembranças o prazer de tudo que realizei, de tudo que valeu a pena!

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