A batina preta surrada e puída sentia seu corpo se erguer desestruturando a corcunda que insistia em fazer morada. Dos ladrões de galinha, às fofoqueiras de plantão, Padre Inácio acolhia a todos, mas os pecados que atentavam contra a moral e os bons costumes requeriam um maior detalhamento e por consequência, uma reza mais longa. O caminho entre a casa paroquial e a Igreja, de terra batida, craquelava pedindo umidade, a poeira alta sinalizava que há muito a chuva era um quase nada. Há anos sentia um estranhamento pertinente aos meses de calor intenso, o número de nascimentos e batismos aumentava. Sua lombar há muito reclamava a falta de conforto e vivendo uma vida monótona, a cada “-Padre, eu pequei!” frase dita quase em sussurro no confessionário, Padre Inácio se estremecia e acordava para a realidade emergente. Vigário velho de guerra, tarimbado na escuta, assistia aos estragos que a fraqueza da carne provocava em sua comunidade, as avemarias rezadas? Eram de absolutamente nenhuma serventia!. A bem da verdade é que Padre Inácio já tecera há muito uma linha de fatos ligando os meses mais quentes aos folguedos juninos. A comunidade entrava em festa, honrando Antônio, o santo casamenteiro, o pequeno Jesus em seus braços abençoava o futuro das famílias tradicionais e das nem tanto também… Os batismos nos meses de verão instigavam a imaginação do vigário, sua intuição aguçada fora despertada pelas manchas de nascença semelhantes, pelo lanugo, umbigos e principalmente pela semelhança entre as crianças conforme atravessavam suas infâncias. Se cada pai de família sabia quem eram seus filhos de fato era uma dúvida que Padre Inácio levaria junto consigo para o além, e que Deus o protegesse, pedia em suas orações, pois certeza mesmo, não tinha de nada. Os anos passavam, assim como as festas de Antônio, os batismos, os bem e mal nascidos cresciam, algumas mortes aqui e acolá, a vida seguia em modo de temperança. A chuva abençoada aliviou a secura dos últimos tempos, a madrugada mais fresca era uma benção. De seu sono profundo acordou escutando os gritos e lamentos, as batidas enérgicas em sua porta indicavam que algo de errado era urgente, pensamentos rodopiavam, a lombar reclamando, no susto se levantara de forma inadequada e tombara por cima da cadeira na escuridão. Compreendeu que no dia seguinte dois corpos seriam enterrados. Num momento de luxúria nomes foram trocados e verdades se revelaram. Verdades de honra, de anos a fio, dolorosas, sangue, suor, lágrimas, duas vidas ceifadas na ponta do facão. Há um brilho de facas onde o amor vier. Padre Inácio se sentia inevitavelmente culpado, ao encomendar os dois defuntos a Deus, entendeu que o sigilo sacramental não deveria ser inviolável, duas vidas, duas famílias agora, seguiam seus rumos sem a figura paterna. As viúvas, melhores amigas e eternas confidentes, vizinhas de porta, lamuriavam o fim trágico desta história de vida que pelos últimos 20 anos fôra tão prazerosa… Que Deus provesse o alento e sustento necessários rogava Padre Inácio que agora preocupava-se apenas com a sua lombar!